Campeonato carioca é um produto em descrédito
O torneio de futebol que já foi aclamado como o mais charmoso do Brasil, hoje sofre a consequência das mazelas plantadas e enraizadas pelo menos há três décadas em nosso futebol. O charme, as disputas acaloradas dentro de campo, estão muito mais em nossas memórias do que vividas nas quatro linhas. E aqui vou lembrar de alguns fatos que fizeram com que o processo fosse evoluindo até chegarmos ao que se tornou o campeonato carioca nos dias atuais. Brigas políticas, bastidores, a rivalidade como pano de fundo e escudo, a busca da cura financeira, o combate de egos, a tentativa de predomínio monopólico e estratégico, a ausência de público, a aposta nos serviços de streaming e sites de aposta, o risco iminente entre a ética do jogo e a possível compra por resultados, o que temos como produto hoje são pontos que vou abordar durante algum tempo nesta coluna.
Então, para puxar o fio da meada, temos que pegar a máquina do tempo e voltar à década de 1990, quando o Presidente da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro era o Dr. Eduardo Viana, também apelidado de Caixa D’Água, figura que se tornou folclórica dentro do âmbito do futebol do Estado. Esse cara foi o grande responsável por transformar o Campeonato Carioca em Campeonato Estadual do Rio de Janeiro. Ele, homem forte do Americano, de Campos dos Goytacazes, ampliou os limites urbanos para dar destaque aos clubes de outras cidades e regiões. Clubes do interior ganharam força como o próprio Americano, Friburguense, Volta Redonda, Itaperuna, América de Três Rios e Entrerriense. Depois, mais perto do novo século surgiram outros como Resende, Macaé, Duque de Caxias e Nova Iguaçu. Todos com nome de cidades e isso também será pauta para futuros textos publicados aqui. O que quero mostrar aqui é que a disputa deixou de ser só no “Estado da Guanabara” e passou a ser de todo território fluminense (sim, este em minúsculo, pois não estou falando do clube).
E foi a partir da década de 1990 que teve início a deterioração da marca do campeonato carioca. O projeto de expansão territorial foi muito bacana. Levar os grandes times da Capital para jogos no interior ia além das quatro linhas. Movimentava a economia da região, atraia público. Era realmente um produto atrativo e rentável. Ainda não existia esse clamor febril pelos direitos de transmissão. As transmissões feitas pelo Rádio eram o atrativo para o amante do esporte. Não havia o interesse exacerbado das emissoras de TV. Até que lá pelos anos de 1993, a TV Bandeirantes, que na ocasião tinha o slogan de “O canal do esporte”, se interessou no produto. Montou uma equipe, que era montada pelo locutor de sucesso nos anos 80 na antiga TVE (hoje TV Brasil), Januário de Oliveira, que narrava em Vídeo Tape, jogo reprisado de domingo à tarde, às dez horas da noite na emissora estatal. Um Campeão do Mundo como comentarista. Gérson, tricampeão do mundo com a seleção brasileira, era o responsável pela análise técnica e nas reportagens Adison Coutinho e Renato Encarnação davam o toque jornalístico à transmissão.
Em paralelo a isso, os embates políticos começavam a tomar conta dos bastidores e organização do evento. Os clubes rivais da capital usavam de todas as formas suas armas, uns contra os outros, no esquema do “farinha pouca meu pirão primeiro”. Sempre como pano de fundo a rivalidade. O jogo de interesse era muito e sempre foi muito maior ao disputado dentro de campo. Tanto que a hegemonia mudou de mãos algumas vezes dentro daquela década. No gramado nos anos 1989 e 1990 o campeão foi o Botafogo. Em 1991, o vencedor foi o Flamengo que já não vencia um estadual há bastante tempo. Depois veio o tricampeonato do Vasco 1992,1993,1994 (o único na história do clube em estaduais). Em 1995, foi a vez do gol de barriga de Renato Gaúcho e o Fluminense depois de uma década desbancava o rival rubro-negro no ano do centenário. No ano seguinte, em 1996, o Fla foi campeão invicto. Em 1997 foi a vez do glorioso, 1998 o Vasco e em 1999 até 2001 a trilogia flamenguista. Com isso, quatro títulos para o time da cruz de malta, três para o flamengo, dois para o alvinegro e um título para o tricolor. Bonito de se ver dentro do campo, mas o que acontecia fora dele. Mudanças de tabela, favorecimento na escolha de mandos de campo. A ponto de no ano de 1998 Flamengo e Fluminense não comparecem no campo e proporcionarem o primeiro W.O duplo da história da primeira divisão estadual. A justificativa foi que os clubes foram solidários ao Botafogo que se sentiu prejudicado e não foi a campo contra o Vasco e perdeu também por W.O. Como forma de punição aos clubes que apoiaram o alvinegro, a federação alterou o local do Fla-Flu, do Maracanã, para Moça Bonita. Os times não compareceram e foi declarado o W.O duplo. Na rodada, o Vasco jogou contra o Bangu, sob protestos do público, venceu e levantou o Caneco.
O engalfinhamento político/jurídico começava a corroer a estrutura da competição como Marca, como marketing de venda de publicidade para todos os envolvidos. O ápice da desorganização veio em 2002, com o Campeonato apelidado de Caixão 2002. O certame perdia protagonismo para o Rio-São Paulo. Os quatro grandes abandonaram o torneio da FERJ para priorizar o interestadual. Para não serem desfiliados colocavam em campo os times sub-23. Isso te faz lembrar alguma coisa? O regulamento do Estadual era favorável aos quatro grandes cariocas, classificados automaticamente para o octogonal final, independente dos resultados obtidos na primeira fase. Com times de juniores e alguns reservas, os grandes disputaram os dois primeiros turnos, vencidos pelo Americano (time de Eduardo Vianna)
A fase final aconteceu durante a Copa do Mundo e foi um fiasco de público e renda. Único grande classificado para as semifinais, o Fluminense conquistou o título que não ia para as Laranjeiras desde 1995. O clube também comemorava o centenário em 2002.
Na partida semifinal contra o Bangu, no dia 16 de junho, aconteceu um lance que provocou uma confusão que dura até agora. O goleiro Eduardo, hoje técnico do Resende, marcou de cabeça o gol que seria o da vitória do Bangu no último minuto da prorrogação. Mas o árbitro Reinaldo Ribas anulou o gol, alegando que o jogador desviou a bola para o gol com a mão, o que não aconteceu de acordo com as imagens exibidas pela televisão.
Classificado para a final, o Fluminense venceu o Americano na decisão. Mas a diretoria do Bangu resolveu, então, entrar na Justiça por causa do erro do árbitro pedindo a anulação do campeonato.
Em 2003, a TV Globo passou a investir na competição com maior poder financeiro e de organização do produto. Passou a bancar os rombos financeiros dos grandes clubes e salvar a folha salarial dos clubes menores. E dali o domínio televisivo foi até o ano de 2019. A partir daí, o Flamengo cresceu o olho e vislumbrou a possibilidade dele ser o próprio provedor de receitas com a comercialização dos seus direitos e produzir a própria transmissão através do canal do clube na plataforma YouTube. Entrou em rota de colisão com a Emissora do Jardim Botânico, criou um racha e viu os três rivais contra eles e teve o apoio da FERJ. Foi a Brasília e fez aliança com o atual presidente Jair Bolsonaro, inimigo declarado da TV Globo. Ele criou a Medida Provisória 984 que alterava a lei dos direitos de arena e dava aos clubes autonomia para negociar independentemente os direitos dos jogos como mandante. O então campeonato carioca que já vinha definhando por jogos de qualidade ruim, a diminuição de interesse do público. Guerras de liminares entre os clubes para ver em qual lado da arquibancada a torcida de Vasco e Fluminense deveriam ocupar. Jogos marcados em meio a greve da polícia militar. Adiamento de jogos faltando minutos para bola rolar e agressão física a torcedores que exigiam o estorno financeiro. Enfim, uma série de mazelas que desconstruiu o charme e transformou em abandono e desinteresse. J
Hoje o campeonato Estadual diante da enorme gama de jogos se tornou um peso, um calcanhar de aquiles para organizadores. O que os mantém é apenas a tradição e a tentativa fracassada de alimentar rivalidade entre as torcidas.
*** EM TEMPOS***
Por que o Vasco não começou o Cariocão 2021 com o time principal? Premiação aos jogadores pelo rebaixamento? Eles vão estar cansados ao final da temporada? Era melhor dar ritmo de competição para esses caras e o novo treinador Marcelo Cabo ver quem é quem. Não entendi o início do planejamento. Se é que teve…
****PANO RÁPIDO****
Número de mortos aumentando nos Estados Brasileiros. Leitos de enfermarias e UTI´s com a capacidade quase toda completa. Será que quem tem parente internado ou que morreu por essa doença devastadora está preocupado com o resultado de Fluminense x Volta Redonda, Vasco x Portuguesa, Flamengo x Cata-Cata de Guadalupe? Poupe-me!