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Filme “Entre Mulheres” concorre ao Oscar de Melhor Filme e destaca o poder das palavras e das atuações para abordar a violência contra a mulher

Por: Eduardo Pepe

Tem um grande filme em “Entre Mulheres”; a trama relevante, as atrizes de alto nível e os diálogos assertivos promovem um criativo e contundente debate sobre a violência contra a mulher. Baseado no livro de Miriam Toews, que, por sua vez, é inspirado em eventos reais, o filme conta a história de um grupo de mulheres que vivem isoladas em uma aldeia longe de toda e qualquer modernidade. Ao longo de anos, mulheres da comunidade vem sendo dopadas e estupradas enquanto dormem. Até que um dia, elas conseguem capturar um dos criminosos. E, assim, provam que não estavam mentindo, nem sendo vítimas de espíritos ou monstros. Os monstros eram, na verdade, seres humanos mesmo. Entretanto, a resposta da sociedade como um todo não é a que elas esperavam e, para elas, é proposto perdoar os criminosos mediante a permissão delas permanecerem na aldeia. Elas, então, passam a se perguntar: fugir ou ficar e lutar por seus direitos?

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Força do elenco é o grande destaque (Divulgação Universal Pictures Brasil)

Tem algo de misterioso, forte e relevante na história e na abordagem. Mas é preciso “comprar” a proposta da realizadora. A opção artística de não mostrar os agressores, ou seja, os homens e seus crimes e, sim, focar nas vítimas, nas consequências e na discussões das mulheres é uma escolha ousada e interessante.

Certamente é contundente na tendência pelo protagonismo, do lugar de fala e da não exploração da violência. Entretanto, do ponto de vista narrativo, é deficitário, porque o filme perde um pouco a força das cenas que seriam as cruciais de tensão, indignação e empatia para a trama. Ao omitir as cenas catárticas, a diretora torna o filme refém apenas de seus diálogos, que, claro, são bem construídos, mas o dizer não substitui a experiência do ver e ouvir.

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União feminina e debate sobre como reagir a violência contra a mulher são postos em pauta (Divulgação Universal Pictures Brasil)

Sem dúvida nenhuma, a diretora e roteirista Sarah Polley cria uma gama sólida de personagens que são defendidas por atrizes muito boas, como Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley e Judith Ivey. A vencedora de 3 Oscar Frances McDormand, produtora do filme, aparece numa participação mais discreta. O único homem do elenco, Ben Whishaw, está muito bem, embora aparecendo um pouco menos propositalmente para dar espaço as mulheres. No entanto, ele não deixa de ter destaque e momentos comoventes.

É difícil escolher a melhor atuação do filme, porque o espaço narrativo dado a todos é super democrático. A sensação é que nenhum é muito mais desenvolvido e ninguém fica sem ter seu momento de destaque. O resultado é de unidade mesmo, o conjunto do elenco faz a força. O porém disso é que é até possível confundir uma personagem com outra porque elas se confundem um pouco entre si.

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Judith Ivey e Claire Foy estão entre os destaques do elenco (Divulgação Universal Pictures Brasil)

Sem dúvidas, a história muito interessante remete ao filme “A Vila”, de M. Night Shyamalan, em que uma vila isolada era vítima de ataques de monstros e uma mulher cega fica responsável por sair da vila para buscar uma solução. Mas aqui fica claro, desde o início, que os monstros do filme são bem reais. É claramente uma narrativa feminina e feminista para dar voz para essas mulheres, que, apesar de privadas de tudo, estão repensando a sociedade que estão inseridas e pensando no que elas querem para seus filhos e as próximas gerações em geral.

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O texto é bonito e os diálogos são cortantes, mas, por vezes, parece um pouco desenhados demais para a crueza do mundo que aquelas personagens vivem. A forma como se desenvolve algumas frases é muito rebuscada; um pouco enfeitada demais. Pode incomodar quem não acreditar que aquelas frases sairiam da boca de mulheres privadas de acesso a toda e qualquer intelectualidade.

Naturalmente, o filme tem uma pegada teatral, porque se passa a esmagadora maior parte do tempo dentro de um celeiro em um curto espaço de algumas horas. Mas a diretora consegue usar alguns elementos cinematográficos de maneira satisfatória, como, por exemplo, a narração em off que introduz com destreza os personagens e os conflitos centrais. No entanto, as inserções de flashbacks ao longo do filme para contextualizar determinados elementos ou personagem soam um tanto rápidos e nem sempre acrescentam, de fato, ao filme. A introdução e explicação para o personagem trans é feita com naturalidade, o que é bom por um lado, mas, por outro, é pouco ou nada desenvolvido, o que pode gerar certa frustração.

O casal central feito pelos personagens de Ben e Rooney é um dos pontos altos do filme e poderia até ter mais tempo de tela. Afinal, eles representam ali um contra-ponto aos relacionamentos tóxicos com homens agressores. Acaba sendo uma sub-trama mais palpável do que a personagem da Jessie Buckley que tem um marido abusivo. Ele, como todos os homens agressores, não aparece fisicamente em cena.

A sensação que essa história funcionaria com perfeição no teatro se amplia sempre que a imagem de trás do cenário do celeiro é destacada, porque o uso de tela verde é perceptível. No teatro, seria possível uma solução estética lúdica para solucionar essa questão. Isso somado ao tom de sépia pasteurizado da fotografia cria um distanciamento. A ideia talvez seja parecer frio e distante mesmo para dar o tom daquele universo, mas afasta um pouco a imersão ao soar planificado demais. A trilha sonora, certamente, é bonita, mas é um trabalho mais convencional para os padrões da Hildur Guðnadóttir, de trabalhos incríveis em “Chernobyl” e “Coringa”.

Não há dúvida que é muito bom ver uma discussão de nível sobre as violências contra a mulher e o debate complexo para responder a essa questão. As personagens vão pelos mais variados pontos de vista de maneira plural e consistente. O destaque, certamente, além do tema e dos diálogos, é o elenco, que sustenta o peso das cenas construindo assim um filme relevante e literal com uma mensagem muito direta. Entretanto, pode ser que seja mais relevante e inteligível do que relacionável do ponto de vista emocional. Como o espectador não presencia os atos e, sim, os relatos, entende mais do que sente a densa narrativa.

“Entre mulheres” no cinema

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Cartaz nacional do filme (Divulgação Universal Pictures Brasil)

Filme: Entre Mulheres

Título Original: Women Talking

Direção: Sarah Poley

Ano: 2022

Duração: 1h 44m

Gênero: Drama

Onde: em cartaz nos cinemas brasileiros desde 2 de março.

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