Cristiane Mayworm transforma desafios em inclusão e empreendedorismo com o Divecon
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Cristiane Mayworm, mãe atípica e ativista pela inclusão, transformou os desafios que enfrentou ao criar seu filho Victor Hugo, diagnosticado com autismo e outras condições, em uma verdadeira missão de vida. Sua jornada como mãe solo de um jovem com dupla excepcionalidade – altas habilidades e dificuldades sociais – a levou a buscar mais informações, apoio e, principalmente, a desenvolver uma profunda compreensão sobre a importância da inclusão. Com essa experiência, ela se tornou uma voz ativa na luta por direitos e visibilidade das pessoas com deficiência (PcD) e doenças raras.

Essa vivência pessoal, marcada por momentos de superação e aprendizado, inspirou Cristiane a fundar a Tudo Sobre Inclusão Consultoria. A partir de sua experiência com o filho, ela percebeu que o caminho para a inclusão passava, necessariamente, pela educação e pela criação de oportunidades reais para que pessoas como Victor Hugo pudessem se desenvolver e serem vistas em sua totalidade, para além das limitações. No Brasil, 6,7% da população possui algum tipo de deficiência, e, infelizmente, muitos ainda encontram barreiras no mercado de trabalho. Cristiane abraçou a causa de estimular o empreendedorismo e a criatividade de PcDs e pessoas com condições raras, visando reverter essa realidade.

O Divecon, Festival de Economia Criativa de PcDs e Raros de Osasco, nasceu dessa iniciativa. Organizado pela consultoria de Cristiane em parceria com outras entidades, o evento visa promover a inclusão por meio do empreendedorismo e da economia criativa, oferecendo palestras, oficinas e espaços para que PcDs possam mostrar seus talentos. Segundo o IBGE, apenas 28,3% das pessoas com deficiência estão empregadas no Brasil, um dado alarmante que reforça a importância de eventos como o Divecon, que visa criar novas oportunidades. O festival, realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo e da Prefeitura de Osasco, pretende ser um marco na geração de renda e autonomia para esse público, oferecendo ferramentas e espaços para que eles possam se destacar.

Além de contribuir com a formação de coletivos sociais anticapacitistas, o Divecon se diferencia por ser totalmente inclusivo e acessível, contando com intérprete de libras e uma equipe treinada para atender tanto os expositores quanto os visitantes com deficiência. Cristiane acredita que a acessibilidade precisa ser uma realidade em todos os ambientes, e é isso que ela busca implementar no evento, criando um espaço acolhedor para todos.

Com o Divecon, Cristiane não apenas destaca a importância da inclusão, mas também oferece um palco para que talentos que muitas vezes ficam à margem da sociedade possam brilhar. Para ela, esse evento é uma oportunidade única de mostrar que PcDs e pessoas com condições raras, que representam cerca de 8% da população mundial, possuem imenso potencial criativo e podem, sim, se destacar no mercado de trabalho e na economia criativa, desde que tenham as oportunidades e o apoio necessários. Confira a entrevista completa:

Cris, como tem sido sua jornada como mãe de um PcD? Quais desafios únicos você enfrentou?

O diagnóstico do meu filho Victor Hugo, hoje com 23 anos, veio tardiamente, no ano de 2012, quando ele tinha 11 anos de idade. A primeira fase é a do desconhecimento, pois era algo pouco falado nas mídias e escolas. A segunda fase é a do luto, pois idealizamos um filho e ele não vem com um manual sobre o que precisamos fazer para que tenha qualidade de vida e como enfrentar os desafios na escola, na saúde e na sociedade. Os desafios são diversos, pois eles precisam de compreensão, terapias, atenção redobrada, medicação apropriada, e incentivos próprios e personalizados para o seu desenvolvimento. O maior desafio foi ser mãe solo de um menino autista com dupla excepcionalidade: altas habilidades, superdotação, TOC, bipolaridade, com traumas de infância e dificuldades de socialização escolar, além da ideação suicida e tentativas, que é um problema frequente em muitos autistas e pouco discutido.

Quais momentos você considera mais gratificantes na sua experiência com seu filho?  

Ele é o meu sonho realizado como mãe. Ele me ensinou a perceber o mundo de outras maneiras; conheci a beleza da diversidade, aprendi que as emoções e as sensações são diferentes e que todos nós somos pessoas únicas. A forma como ele se comunica e se expressa é totalmente diferente de todas as crianças e familiares com quem já tive contato. Tudo isso me ensinou a ser uma mãe e uma ativista melhor, especialmente na minha profissão.

Como você percebe a interação do seu filho autista com a sociedade?

A interação pode ser muito melhor com a sociedade se os multiprofissionais mais conscientes utilizassem mais o amor (sentimento mais nobre e universal), a empatia e até a paciência para perceber que as pessoas com deficiência possuem suas crenças, ideias, sonhos, muita capacidade, criatividade e empreendedorismo. Elas têm propósitos pertinentes ao que sentem, vivem e veem o mundo ao seu redor.

Você notou mudanças sociais ao longo dos anos? 

Nos últimos anos, o assunto tem ganhado mais destaque, com o aumento da representação de pessoas com deficiência (PcDs) na mídia, que são os verdadeiros protagonistas, fortalecendo a conscientização sobre o tema. Também noto que a sociedade está mais receptiva em relação a essa conscientização. Nos eventos que produzimos na TIC – Tudo Sobre Inclusão Consultoria, temos profissionais especialistas e parceiros que possuem alguma situação de deficiência ou condição rara de saúde, promovendo a equidade de condições e a participação plena em todos os espaços.

Que conselho você daria para outras mães que estão enfrentando situações semelhantes com seus filhos atípicos? 

Meu conselho é que se cobrem menos e se amem mais! Cada filho atípico é diferente em todas as circunstâncias. Acolham-se em primeiro lugar, façam terapias e reservem horas para vocês também. Todos os dias precisamos ser “fortes”, decididas e resolutas, mas, para isso, é primordial cuidar da nossa saúde mental, física e espiritual, para conseguirmos cuidar de nós, deles, da casa, do trabalho, etc. Estamos sempre de braços abertos para outras mães, mas devemos ter o mesmo autocuidado conosco; assumir que somos vulneráveis já é um começo.

O Divecon é um projeto que visa promover a inclusão social. O que motivou você a criar um evento com esse foco, especialmente em relação à vivência do seu filho?

Eu vejo nas pessoas com deficiência e com doenças raras um potencial criativo imenso. Normalmente, elas não integram eventos de economia criativa porque não encontram oportunidades ou porque esses ambientes não estão adaptados para recebê-las como merecem. Temos muitos talentos que estão escondidos, marginalizados e que podem e merecem reconhecimento. No Divecon, esses empreendedores, arte-educadores e palestrantes são respeitados, valorizados e têm a oportunidade de divulgar seus trabalhos. Isso sem contar a rede de contatos e parcerias que poderão desenvolver no evento.

Meu objetivo é que o ambiente acolhedor e adaptado não seja restrito apenas aos expositores, mas também aos visitantes, com intérpretes de Libras e uma equipe treinada e capacitada para atender da melhor forma todos os que estiverem presentes.

Na sua opinião, quais são as principais barreiras que crianças e jovens com deficiência ainda enfrentam no mercado de trabalho e na vida social?

Embora o esclarecimento em relação às pessoas com deficiência e doenças raras tenha aumentado e reduzido situações de preconceito, o mercado de trabalho ainda apresenta muitos obstáculos. As PcDs e “Raros”, mais do que qualquer outro profissional, precisam provar constantemente que merecem ocupar os cargos que conquistaram e que são merecedores dessas oportunidades. Elas carregam o sentimento de estarem sempre sendo testadas e de que não podem cometer nenhum deslize. Muitas vezes, são reduzidas às suas deficiências e subestimadas. No entanto, a deficiência ou síndrome é apenas uma entre as várias características de cada indivíduo. Não podemos esquecer que muitos talentos que revolucionaram o mundo eram pessoas com deficiência e/ou doenças raras.

Você mencionou que o Brasil ainda não possui ações 100% inclusivas. Quais mudanças você acredita que são necessárias para que isso aconteça?

Se eliminarmos as barreiras do preconceito, sejam atitudinais, físicas ou de qualquer outra natureza que impedem a participação plena dessas pessoas, e colocarmos as suas necessidades em primeiro lugar, desconstruindo a ideia de “deficiência”, veremos que são profissionais, artistas, grandes formadores de opinião, e consumidores de arte, cultura e tudo que tem acessibilidade. Ao remover obstáculos de comunicação, acesso físico e digital, comportamento, e fornecer tecnologias assistivas, entre outros recursos, transformaremos a Divecon em um ambiente onde todos possam usufruir da programação com participação, autonomia e envolvimento social.

Como você vê a importância da educação e conscientização para mudar a percepção da sociedade em relação às crianças com deficiência e suas famílias?

Só em 2024, já promovemos quatro eventos sobre essas temáticas, que são extremamente importantes para mudar a percepção de todos, focando no desenvolvimento de competências socioemocionais, na melhora do rendimento escolar e social, além de promover responsabilidade e diversidade. Nossos eventos estimulam e criam uma gama de relações positivas entre alunos com e sem deficiência. O Divecon tem como protagonistas pessoas com diversos tipos de deficiência e condições raras de saúde, atuando na economia criativa. Convidamos a todos, pois o evento é acessível e 100% gratuito em Osasco.

Quais são suas expectativas para o Divecon e como você acredita que ele pode impactar a vida de crianças e jovens como seu filho?

Crianças e adolescentes com deficiência ou síndrome rara precisam de referências para explorar ao máximo seu potencial e acreditar que podem ser e fazer o que quiserem. Por exemplo, com a palestra e show do Dôdi no Divecon, esperamos que os jovens com tetraplegia entendam que também podem compor e cantar, se assim desejarem. Queremos que jovens autistas se sintam representados pelo Luciano, nosso expositor com grau 2 de autismo, que irá expor e vender suas obras de arte. Cada expositor, palestrante e arte-educador no Divecon tem sua própria história de vida, superação e talento especial, servindo de exemplo para muitos jovens, não apenas os atípicos.

Como o Divecon se diferencia de outros eventos voltados para a inclusão? O que você espera que os participantes levem dessa experiência?

No Divecon, a acessibilidade e inclusão não são apenas estratégias de atração. Em todas as etapas do evento, nos dedicamos a adaptá-lo para atingir o maior número possível de PcDs e pessoas com condições raras, seja por meio da comunicação acessível, da abordagem direta ao convidar os participantes, da estrutura do evento, adequações do espaço físico ou treinamento da equipe. Muitos eventos de inclusão não colocam os PcDs ou Raros como protagonistas, mas no Divecon, eles são as verdadeiras estrelas. Outro aspecto importante é que o Divecon é um evento de economia criativa, que fomenta a geração de renda para as PcDs e Raros.

O evento conta com várias atividades e oficinas. Qual delas você acredita ser mais benéfica para os jovens e suas famílias?

Cada uma das atividades foi cuidadosamente planejada e escolhida para integrar a programação de acordo com o que os PcDs e Raros desejam encontrar em um evento pensado exclusivamente para eles. Esse é, sem dúvida, o maior diferencial do Divecon: reunir, em um único dia, diversas atividades voltadas para PcDs e Raros de todas as idades. É um festival inteiramente dedicado a eles, não apenas uma parte. É claro que pessoas típicas também serão bem-vindas, e essa convivência é extremamente enriquecedora para todos.

Nas oficinas de gastronomia e confecção de acessórios, os jovens e suas famílias terão a oportunidade de se divertir, além de ser uma excelente opção para aqueles que buscam complementar a renda familiar com produções criativas, feitas em casa com baixo custo de investimento. Na palestra sobre Economia Criativa, os fundamentos para iniciar um negócio próprio serão apresentados de forma clara e acessível. Já na Feira de Economia Criativa, será possível comprar produtos autorais e conhecer empreendedores e familiares de PcDs e Raros.

Para encerrar, teremos a palestra e show de Dôdi – Douglas Jerico, um talentoso cantor e compositor tetraplégico, que inspira com sua maneira positiva de encarar a vida e suas limitações, sendo um exemplo não apenas para pessoas atípicas. PcDs, Raros e seus familiares poderão passar o dia inteiro no Divecon, fazendo amizades, aprendendo e se divertindo, com todo o suporte e acolhimento que merecem.

Como sua experiência como mãe de um autista influenciou sua carreira e sua atuação como ativista?

Antes da maternidade, eu já atuava como voluntária no terceiro setor, em instituições que atendem crianças, jovens e idosos (ILPI), e também como contadora de histórias em hospitais e abrigos. Meu propósito é trabalhar por mais equidade, solidariedade e pela garantia de direitos, como o acesso à arte, cultura, economia criativa e relações de empreendedorismo social, além de promover a saúde mental e campanhas que incentivem a educação, trabalho e geração de renda.

Quais aprendizados sobre inclusão e diversidade você gostaria de compartilhar com outras mães e com a sociedade?

O maior aprendizado é vivenciar culturas diferentes, nossa maior riqueza. Quero fazer um “Convite Especial” às mães, à sociedade e aos amantes da cultura para participar do Divecon, que acontecerá no dia 19 de outubro de 2024, em Osasco. Será uma excelente oportunidade para conviver, trocar experiências, participar de palestras, oficinas, assistir a um show e visitar a feira de criadores PcDs e Raros, vindos de diversas cidades do estado de São Paulo.

Quais são suas esperanças para o futuro das crianças com deficiência no Brasil?

Que comecemos hoje a ser a mudança que desejamos para as crianças, sejam elas atípicas ou típicas. Que meus familiares e amigos com alguma deficiência sejam respeitados em sua diversidade, recebam qualidade em todos os serviços necessários para sua saúde e bem-estar, e possam ocupar todos os espaços com segurança e liberdade.

Serviço 

Evento: Divecon (Entrada gratuita e livre)

Data: 19/10/24 (sábado)

Horário: das 11h às 20h

Local: Escola de Artes César Antônio Salvi 

Rua: Ten. Avelar Píres de Azevedo, 360 – Centro, Osasco/SP

Local com acessibilidade | Intérpretes de LIBRAS e monitores especializados em atendimento a PcDs e Raros.

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