Flavia Camargo compartilha jornada de maternidade e luto em ‘Quatro Letras’
Tempo de leitura: 6 Minutes

A escritora Flavia Camargo lançou o livro “Quatro Letras”, uma autobiografia que reflete sobre a maternidade e o luto pela perda de seu filho, Igor. Neste relato sensível, Flavia busca acolher outras mães e famílias que enfrentam o doloroso processo de despedida, ao mesmo tempo em que compartilha os momentos marcantes vividos durante a gestação e a breve vida de seu filho.

Dividido em dez capítulos, cada um nomeado com palavras de quatro letras — como “Igor”, “Amor” e “Luta” —, a obra é um compêndio de reflexões e sentimentos que surgem da experiência de ser mãe, mesmo diante da perda. Flavia explora a profundidade da conexão materna e os ensinamentos que a maternidade deixou, ressaltando que a morte não pode apagar o que foi construído durante o tempo que passou com Igor.

A autora não apenas narra a dor da perda, mas também o processo de ressignificação dessa experiência, transformando o luto em uma jornada de autodescoberta e crescimento pessoal. Por meio de cartas escritas ao filho desde a gravidez, Flavia expressa seus sentimentos e cria um espaço de diálogo que ajuda a aliviar a dor e a solidão que muitas mães enfrentam após a perda de um filho.

Flavia compartilha como a espiritualidade foi fundamental em sua trajetória, permitindo-lhe manter a conexão com Igor e redefinir sua maternidade. Ela enfatiza a importância de reconhecer e validar a dor do luto, incentivando as pessoas ao redor a oferecer apoio de forma sensível, ouvindo e acolhendo sem julgamentos.

Com “Quatro Letras”, Flavia Camargo espera que outras mães que vivenciam o luto encontrem consolo e força nas páginas do livro, percebendo que a memória de seus filhos pode ser uma fonte de inspiração e resiliência. A obra se torna um testemunho do amor incondicional que perdura além da vida e um convite para a transformação através da dor. Confira a entrevista completa: 

 

No livro “Quatro Letras”, você aborda a importância de ressignificar a dor da perda. Como esse processo de ressignificação ajudou você a lidar com o luto materno?

Assim que acontece a partida da pessoa que amamos, começa o luto, que é o processo de aprender a viver longe dela. A realidade que conhecemos sofre uma ruptura e precisamos de tempo para nos adaptarmos. O início é igual para todo mundo. É a imposição de uma vontade maior que não se pode mudar. Depois ocorrem variações, pois cada um tem o seu modo de percorrer esse caminho. No meu caso, o que ajudou foi a decisão de enaltecer o crescimento interno que ocorreu em mim durante a gravidez, lembrando que, por mais breve que tenha sido nosso encontro, a nova Flavia que me tornei com a existência dele continuaria comigo. 

 

A maternidade trouxe muitos aprendizados para sua vida, mesmo com a despedida prematura de Igor. Quais foram os principais ensinamentos que a experiência da maternidade deixou, e que a morte não conseguiu levar?

Ao me tornar mãe, aprendi que amar é colocar-se à disposição de alguém, oferecendo cuidados, atendendo necessidades, mostrando apreço. E o cumprimento destes objetivos exige um trabalho de superação de si mesmo. Aprendi que o afeto que um filho desperta na gente nos aperfeiçoa, pois nada é mais poderoso para aprimorar virtudes do que querermos nos capacitar para garantir o bem daquela vida que nos é tão preciosa. A morte não levou isso de mim. Pude praticar o altruísmo e a abnegação, não amamentando, mas combatendo o egoísmo e cultivando o desprendimento. 

A espiritualidade é um dos temas presentes em seu livro. De que maneira a fé ou a espiritualidade ajudou você a atravessar o luto e encontrar um novo significado para a sua jornada como mãe?

A espiritualidade foi a chave principal para a minha travessia do luto. Enxergar o ser humano como um ser bio-psico-espiritual foi determinante para que eu me considerasse uma mulher que não está impedida de exercer a sua maternidade. Eu não teria o meu filho para abraçar, pegar no colo, mas ainda dedicaria a ele as minhas conquistas, enviaria a ele o meu carinho por meio de vibrações, e teria orgulho de contar a todos que ele é meu filho.

 

Você menciona que escutou frases dolorosas de pessoas durante o luto. Qual conselho você daria a quem deseja apoiar uma mãe em luto, mas não sabe como fazê-lo de forma sensível?

Aconselho que em primeiro lugar se coloque em posição de ouvinte. Tente fazer com que a pessoa sinta que você se importa com a dor dela, antes de querer encontrar uma solução mágica para fazer essa dor desaparecer. Evite comparar, cobrar ou julgar. Quem está sofrendo realmente precisa descobrir um jeito de acalmar seus sentimentos, mas ter a oportunidade de falar sobre aquilo que sente com pessoas nas quais confia é uma das melhores formas de se reorganizar mental e emocionalmente. 

 

No trecho do livro, você fala sobre o dever de ser exemplo para o seu filho, mesmo após sua partida. De que maneira esse compromisso tem te ajudado a continuar seguindo em frente e mantendo sua força?

Como falei anteriormente, entender que nossa vida não se resume apenas à matéria sempre me levou a me comportar tendo a premissa de que o Igor continua existindo, mesmo que eu não possa ver. Então eu ainda tenho deveres para com ele. Aqueles deveres que mencionei antes que, sendo decorrentes do amor, beneficiam mais a pessoa que ama do que a pessoa amada. E no meu caso me ajuda muito, pois é uma recordação constante da importância de buscar ser um modelo de como ele deve agir para ser feliz.

 

O luto materno é um tema muitas vezes invisibilizado na sociedade. Em sua opinião, quais são os maiores desafios que as mães enfrentam ao lidar com a perda de um filho e como elas podem ser melhor acolhidas?

Acredito que alguns dos maiores desafios das mães enlutadas sejam o tabu que existe sobre a morte, que faz com que existam escassas conversas a respeito do assunto, e a solidão decorrente do fato de existirem poucas possibilidades de desabafar, sem contar com o medo que também pode surgir depois de ter tentado se abrir e ter sido incompreendida. Acredito que o melhor acolhimento para essas mães é dar aos seus filhos o mesmo valor que se dá a qualquer filho vivo de qualquer pessoa, com direito a ter o seu nome citado, sua importância reconhecida e sua história preservada.

 

Você escreveu cartas para Igor desde a gravidez. Como a escrita e a expressão de sentimentos através de cartas ajudaram você no processo de luto?

A escrita, seja por meio de cartas, que funcionam como uma forma de dar vazão aos nossos sentimentos, permitindo evitar que eles fiquem reprimidos e sufocados, seja por meio de anotações, que funcionam como uma forma de trazer clareza sobre as coisas que nos afligem, é uma ferramenta terapêutica de grande serventia no luto. As cartas me ajudam a satisfazer esse chamado do meu coração de entregar meu amor ao meu filho, e cujos meios de concretizar estão limitados.

 

No livro, você explora a ideia de que a superação do luto não é “deixar para trás”. Como transformar a memória de alguém tão importante em um motivo para continuar se fortalecendo pode ajudar outras mães em luto?

Mães em luto podem cair em um sofrimento profundo e prolongado, se não identificarem nenhuma maneira de dar sentido às suas vidas depois de estarem impedidas de ter contato próximo com as pessoas que elas mais amam. Eu entendo que esse sentido, tão necessário para a gente se levantar a cada manhã, pode ser desenvolvido a partir da ideia de que eu estou fazendo com que esse ser tão especial ocupe um lugar de destaque nos meus dias quando decido me esforçar para que ele continue vivendo através de mim.

 

O livro é dividido em capítulos com palavras de quatro letras, cada uma carregando um significado profundo. Como a escolha dessas palavras reflete os sentimentos e desafios que você enfrentou durante a maternidade e o luto?

O “amor” é um “laço” que faz com que eu me sinta unida ao “Igor”. A “vida” é um presente pelo qual sou grata a “Deus”. A “luta” é a retribuição que eu entendo estar ao nosso alcance para sermos merecedores de “tudo” o que possuímos. E lutar significa justamente o esforço para continuar enxergando o “belo” e cultivando o “riso”, apesar dos problemas, tornando-nos os responsáveis pela nossa própria “cura”.

 

Como você enxerga o impacto que “Quatro Letras” pode ter nas mães e famílias que vivenciam o luto? Que tipo de acolhimento e conforto você espera que o livro traga para essas pessoas?

Meu objetivo é que outras mães ou famílias que vivenciam o luto possam encontrar no livro “Quatro Letras” um relato com o qual se identifiquem e se sintam representadas, pois é um conforto saber que não estamos sozinhos em nossas dificuldades. Espero também que ele encoraje e empodere essas pessoas, mostrando-lhes que nutrir um amor incondicional e inabalável por quem se foi é um ato heróico, digno de admiração.

 

Redes sociais da autora:

Instagram: @flaviacamargoescritora

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.